sábado, 25 de abril de 2009

Aumenta o som

E do trovão fez-se a música!
Conceitos (precisa mesmo? Ah... droga)

Primeiramente, é necessário salientar que este texto não pretende transformar o leitor em músico, tampouco iniciá-lo nos caminhos da teoria musical. A intenção deste trabalho é unicamente dar ao leitor um maior número de instrumentos para análise deste ramo da arte conhecido por MÚSICA. Examinando a música e analisando como são as relações entre os diferentes elementos que a compõem, é possível compreendê-la de forma mais abrangente. O presente texto adentra este novo universo e dá início a um novo jogo, e nos é interessante conhecer suas regras. O mundo da música está escrito sobre conceitos, que necessários para que possamos compreendê-la. Mas, antes de discutir sonatas, óperas e fugas; guitarras, pandeiros e pianos; levanta-se a seguinte questão: o que é música? E de que forma ela foi influenciada e nos influenciou, ao longo da hístória?

Conforme os conceitos criados no âmbito sacro, pode ser chamada de música a união de três elementos básicos:

  1. Ritmo – o agrupamento dos diversos valores de tempo durante um período musical, havendo uma harmoniosa correlação das partes. Em outras palavras, é a alternância de sons no tempo, a “pulsação” da música. Detalhe importante: não é marcado exclusivamente por bateria ou percussão. Há quem diga que tal movimento foi baseado na afluência das águas do mar;
  2. Melodia – a sucessão rítmica de sons musicais, de forma suave e agradável;
  3. Harmonia – a arte de relacionar ritmo e melodia, notas e acordes (qualquer combinação de duas ou mais notas musicais, soando simultaneamente) de maneira agradável.

Tendo-se consciência do que são estes elementos e de como eles se relacionam, já é possível ter uma base de identificação musical. Mas isso não é tudo.

Geralmente ocorrem confusões conceituais, sobretudo em relação ao ritmo. É descabido afirmar, por exemplo, que determinado ritmo é rápido ou lento. O mesmo ritmo pode ser executado com maior ou menor velocidade; velocidade à qual damos o nome de “Andamento”. A natureza do ritmo é alterada pela maneira como sua estrutura é formada, e não pelo seu andamento. Por exemplo:

  • No rock, em geral, há uma batida forte, outra fraca, uma forte, outra fraca;
  • Na valsa, há uma batida forte e duas fracas;
  • Nas marchas, há uma batida forte e outra fraca.

Já a harmonia se refere à mescla de sonoridades que soem de maneira agradável ao ouvido. É bom salientar que a evolução faz com que, como foi apresentado por João Gilberto e Jorge Benjor, “acordes que em certa época sejam considerados desarmônicos, se tornem harmônicos em outra.”. Desta maneira, sons que seus pais e avós consideram abomináveis podem lhe soar agradáveis, e vice-versa.

Mas antes de transcrever tudo isso, além de ter o domínio da escrita (notação musical, tema que não será abordado pelo presente trabalho por não ser indispensável à simples apreciação musical), é necessário o conhecimento dos chamados compassos.

Compasso: espaço de tempo determinado onde se desenvolve a o ritmo e a melodia. De acordo com o número de batidas, se classifica em binário (uma batida forte e outra fraca), terciário (uma batida forte e duas fracas) e quartenário (uma batida forte, uma batida fraca, uma batida menos forte e outra batida fraca). Todo instrumento se guia através dos compassos da partitura e das melodias e ritmos neles inseridos.

Há inúmeros instrumentos musicais (alguns que fogem totalmente dos conceitos convencionais), e algo nos permite diferenciá-los. Algo nos faz perceber a diferença entre, por exemplo, um violino e um piano. A este “algo”, esta “diferença de som”, dá-se o nome de timbre. Utilizando como exemplo a voz humana, as diferenças de timbre são visíveis ao se contrapor a voz de uma criança com a voz de um idoso, ou a voz de um homem, em geral, mais baixa, com a de uma mulher, geralmente, mais alta.

“Mas meu pai fala alto – na verdade, ele grita.”

Na música, os conceitos de “alto” e “baixo”, não se referem a volume ou decibéis. Sons altos representam timbres agudos, enquanto sons baixos, timbres graves. Quando se refere a volume ou decibéis, tratam-se os sons como “fortes” ou “fracos”.

Quando já se tem a estrutura básica da música, “acessórios” lhe são adicionados, enriquecendo-a. A estes elementos adicionais, juntamente com a estrutura original da obra, dá-se o nome de arranjo.


Histórico (da batida tribal à batida tribal – só mudaram as tribos)

Logicamente, é impossível apresentar todos os caminhos percorridos pela música desde a antiguidade, ainda mais em um espaço tão limitado. Por esta razão, este tópico ilustrará somente uma breve linha do tempo.

Os primeiros estudos sobre a natureza do som remetem a Pitágoras, pensador místico, filósofo, matemático, geômetra e reformador religioso grego, que viveu por volta do século VI a.C. A partir dele, os conceitos foram se solidificando e se espalhando por diferentes localidades do globo. Até aproximadamente 1610, temos o período que se convenciona chamar de “Música Antiga”. Suas principais características, dado o contexto histórico no qual está inserida, são o predomínio do catolicismo em seus temas e o desenvolvimento de instrumentos e formas musicais como o cravo e o órgão. A música trovadoresca se insere nesse contexto. São representantes da chamada Música Antiga G.P. Palestrina, Joaquin Des Prés e Giovanni Gabrielli.

Posteriormente, há a chamada “Música Barroca”, que compreende o período de 1600 a 1740, e tem como principais características a ascensão da música “profana” (em especial as danças), mesmo tendo a religiosidade ainda como tema principal, sobretudo nas peças para órgão; as novas formas de expressão musical, influenciadas pelo período anterior, como oratórios; a criação da ópera (representação músico-teatral de tema literário) e os compositores como assalariados da realeza ou do clero, servindo a seus interesses. São importantes expoentes deste período Bach, Hændel, Samartinni, Purcell e Telleman.

De 1740 a 1800, há o período classificado como “Música Clássica”. Aqui, vale ressaltar um ponto de confusão. Convencionou-se chamar de “clássica” toda obra de música erudita, ou obras de grande relevância (o álbum “The Wall”, do Pink Floyd, é um clássico do Rock mundial). Embora este seja um uso amplamente aceito, o termo “clássico” se refere, originalmente, a este período da história da música, pontuado por uma volta ao estilo refinado e frívolo, em oposição aos excessos do barroco. Surgem as formas musicais modernas, como sonatas, sinfonias e concertos solo. Seus principais representantes são Mozart e Haydn.

De 1800 a 1912, influenciado pela Revolução Francesa e seus reflexos ao longo da Europa, surge o Romantismo, que se caracteriza pela individualidade e pela expressão das emoções, dando mais importância ao conteúdo que à forma. Surge o nacionalismo na música, e os grandes compositores tentam trazer sua música pátria para suas composições, adaptando-as ao gosto europeu. Um grande exemplo é a “Rapsódia Húngara”, de Franz Listz, que exalta a história e as glórias da Hungria. São desta época também Wagner, Brahms, Chopin, Tchaikovsky, Schubert, Verdi e o maior expoente do movimento – Ludwig Van Beethoven.

A partir de 1912, existe a chamada “Música Moderna ou Contemporânea”. Einstein desintegrou o átomo, e todos os conceitos da música foram desintegrados logo em seguida. Há aqui resquícios de um Romantismo tardio, como se pode observar nas obras de Mahler, Strauss e Pfzinner. Movimentos que abraçavam outros ramos da arte também tiveram sua expressão na música. Foi o caso do Expressionismo, forte na Alemanha e na Áustria, com Webern; a música como forma de conscientização política, como Prokoffief, ou como forma de controle do Estado, como Shostakovitch, ambos na extinta URSS; nacionalismo exagerado (herança do Romantismo), como o húngaro Bela Bartok (perseguido pelo nazismo);

Temos também, o Neoclassicismo de Stravinski, que retomava valores do período Clássico; a Música Dodecafônica, desenvolvida como “evolução” do expressionismo na Alemanha e na Áustria; a Música Eletrônica e Concreta, através do advento do sintetizador, tendo por maior representante o pioneiro Karlheinz Stockhausen; a Música Industrial, que apresentava uma destruição de todos os valores tidos como musicais até então, sob a bandeira do “Alles wird Musik” (“Tudo é música”) e é representada por Kraftwerk, Einstürzende Neubauten e Throbbing Gristle; a música minimalista, que segue o princípio de que “menos é mais”, contando com Phillip Glass; a Música Pop, destinada às grandes massas, como Michael Jackson, Madonna e Justin Timberlake e todos os possíveis desmembramentos dentro das definições apresentadas.


Negações e rebeldia – Oposições e evoluções

É comum que na sucessão de movimentos artísticos, cada um tente negar seu predecessor. É possível observar isso na literatura, onde o Realismo “briga” com o Romantismo, e o Arcadismo se opõe ao Barroco. Na música, isso não é muito diferente.

Os movimentos musicais tendem a se contrapor uns aos outros, sejam quais forem as razões de sua existência, e isso os leva a uma constante evolução.

Por exemplo, na França do século XIX, Claude Debussy, opondo-se ao Romantismo simplesmente porque suas características enquanto compositor não se adaptavam àquele movimento, cria sua própria linguagem musical, não se encaixando em nenhum movimento pré-estabelecido (algo próximo do que faria, anos depois, Augusto dos Anjos na literatura, utilizando elementos do Romantismo e do Simbolismo, mas não se enquadrando totalmente em nenhuma das escolas).

A situação da Inglaterra nos anos 70 também pode ilustrar esse quadro. Havia uma febre pelo chamado Rock Progressivo, com músicas de grande complexidade, bandas formadas por maestros, os chamados virtuoses, que como o nome já sugere, eram músicos excepcionalmente perfeitos, ou seja, irtuosos, e canções megalomaníacas, ultrapassando, às vezes, os 20 minutos de duração. Esse movimento musical tinha como maiores expoentes as bandas Genesis, Yes e Pink Floyd, todas formadas por respeitosos senhores. Mas eis que em 1977 surge a banda Sex Pistols, formada por quatro garotos dos subúrbios britânicos, que anunciava um novo direcionamento musical, com canções mais simples, diretas, com letras sujas e corrosivas – e “músicos” que não precisariam saber mais que três ou quatro notas para compor suas obras. O baixista desta banda chegou a se apresentar com uma camiseta onde era possível ler os dizeres “I hate Pink Floyd” (Eu odeio Pink Floyd). Foi estabelecida a música Punk, em absoluta oposição ao Rock Progressivo.

No caso do Brasil, podemos tomar como exemplo a Bossa Nova: surgida no Rio de Janeiro em 1958, com a música “Chega de Saudade”, imortalizada na voz de João Gilberto, a Bossa Nova era um movimento que tratava das alegrias da vida e das belezas do país. Tom Jobim, Nara Leão e Vinícius de Moraes representavam um movimento extremamente otimista. Porém, em 1964, com o Golpe Militar, não havia mais “clima” para cantar a beleza otimista de um país. Surge então a MPB como música de protesto político, contando com Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e a própria Nara Leão assumindo uma postura diferente da que tinha nos tempos da Bossa.

Estes exemplos são uma breve apresentação da força motriz que leva à evolução na música. A estagnação na música representa sua morte, pois a música não é um reflexo somente de quem a produz, mas também do ambiente (tempo/espaço – em constante mudança) no qual este indivíduo está inserido. A música bebe em diversas fontes. Richard Wagner se inspirou na mitologia nórdica para compor “O Anel de Nibelungos” e na literatura do filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche para “Assim Falou Zaratustra”. A banda Black Sabbath tirou seu nome de um filme de terror italiano. Bauhaus, antes de ser o nome de uma das bandas que deu início ao chamado Rock Gótico, foi o nome de uma renomada escola de arte alemã.

Conforme o renomado baixista Steve Swallow (em entrevista em 2008) “o músico não pode se alienar em relação às outras formas de arte”, mesmo porque a relação entre as diferentes formas de expressão é um dos fatores que as amplia e as enriquece.


Desconstrução

Muito se falou sobre sons e combinações agradáveis ao ouvido. Creio que estes aspectos tenham sido absorvidos. Mas se a música é movida também por emoção, seria errado fazer música não-harmônica, quando o objetivo é causar incômodo, ou emoções desagradáveis, como, por exemplo, angústia? Ou se isso for feito, deixamos de fazer música para fazer simplesmente barulho?

Se Pitágoras começou seus estudos sobre a natureza do som com uma simples corda esticada, será que o que ele fazia, por não seguir os conceitos de música que só seriam criados séculos depois, não era música? Ou será que isso é “a música fora de nossa compreensão”?

Seguindo as idéias das harmonias usualmente utilizadas no Ocidente, será que outras harmonias, por exemplo, a música da Lituânia, seriam descartadas? Ou poderiam agregar valor à arte produzida pelo Ocidente?

Será que o passado representou seu período histórico e não tem lugar no meio musical dos nossos dias? Ou será que bandas como The Strokes, The White Stripes e She Wants Revenge, que trazem de volta sonoridades dos anos 60, 70 e 80, respectivamente, representam que o futuro da música contemporânea é se voltar para o passado?

Claude Debussy teve uma de suas mais conhecidas composições, “Clair de Lune” (“O Clarão da Lua”) utilizada no recente filme “Crepúsculo”. Seria falta de bons compositores para trilhas sonoras nos dias atuais? Talvez sim, talvez não.

Mas a trilha dos seis filmes da seqüência Star Wars, de 1977 até 2005, foi feita por John Williams, compositor contemporâneo, que não deve em nada aos chamados “clássicos”. Deveríamos então abandonar a música erudita em prol da música atual, já que ambas possuem qualidade? Talvez sim, talvez não.

O grupo The Black Eyed Peas faz uso da “Surf Music” dos anos 60 (“Pump It”, que conta com um sampler de “Misrilou” de Dick Dale and His Del-Tones) e da Bossa Nova em “Mais que Nada”, com Sérgio Mendes. Seria isso incompetência ou inteligência?
Será que os estilos tendem a ficar cada vez mais separados? A dupla Chitãozinho & Xororó gravou com a banda Fresno, mas o público do Heavy Metal se recusa a ouvir música eletrônica. Quem está certo?

Há ainda inúmeras perguntas a serem respondidas, e milhares de tabus a serem quebrados mas agora, esse problema está em suas mãos.

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Referências bibliográficas

LACERDA, Osvaldo: Compêndio Elementar da Música. 4ª edição. 1976. Editora Musicália.

TRAGTEMBERG, Lívio: Contraponto – Uma Arte de Compor. 1994. Editora da Universidade de São Paulo.



Links interessantes

Orquestra de garrafas

Orquestra de vegetais

Tudo é Música! Música é Tudo!

ASSIS, Allan de
Contato:allandeassis@yahoo.com.br

sexta-feira, 13 de março de 2009

O que é Estética e como ela amplia nossa perspectiva de conhecimento

Hermenêutica: o início da compreensão

Estética é o ramo da filosofia que investiga o que é arte, quais as relações da arte com a realidade, com o conhecimento e com a construção da subjetividade, atendo-se aos aspectos racionais dessa investigação.

Todo ato causa uma experiência. O efeito que o contato com uma obra de arte causa no homem, a chamada experiência estética, é o foco deste estudo filosófico. A estética busca entender que tipo de saber esse contato gera, ou até mesmo se esse tipo de experiência é diferente das outras.

Mas, como o homem tem a limitação de naturalmente pensar de acordo com a realidade em que vive, para que possa extrair e aproveitar totalmente a experiência que é transmitida por uma obra de arte é preciso treinar para enxergá-la com o olhar de um espectador ingênuo, de quem a está observando pela primeira vez, e que principalmente não coloca suas outras experiências dentro da obra. É preciso um olhar amplo, imparcial, e não preconceituoso, sem um pré-julgamento de significados ou valores. Dentro da estética quem auxilia nesse processo é a hermenêutica.

A hermenêutica surge dentro da teologia, tendo como função principal direcionar a leitura e compreensão de textos bíblicos. Com o passar do tempo, ela se desvincula dos estudos teológicos e se estende à arte em geral.

Para entender de uma forma simples a função da Hermenêutica busquemos sua origem semântica. A palavra hermenêutica vêm da mitologia, de Hermes, o mensageiro dos deuses. Segundoo mito, Hermes era usado pra trazer mensagens do Olimpo, interpretando assim, a vontade dos deuses. Hermes apenas trás mensagens do Olimpo, jamais leva alguma mensagem para os deuses. A visão hermenêutica te expõe o que a obra tem a te dizer, sem deixar que você insira sua opinião na obra. Sendo assim, ela facilita a comunicação da obra para o espectador. Quando trabalhamos com a hermenêutica, o significado de compreensão se altera um pouco do senso comum. Compreender no sentido hermenêutico não é ir até a obra e lançar suas questões pessoais para que ela responda, e sim escutar aquilo que ela tem pra dizer.

O conhecimento é algo único, e jamais existirá dois conhecimentos diferentes sobre algo. É a perspectiva que aumenta em nosso conhecimento quando agregamos experiências, e compreender outras perspectivas é o mesmo que aumentar nosso ponto de vista. Esse é um dos pontos fortes do porque se observar arte do ponto de vista hermenêutico. A chamada arte do saber ouvir.

A construção do conhecimento não se dá por bases abstratas, e sim por tradição. Quando falamos de conhecimento ninguém é original, todos somos herdeiros. Mas não somos fadados há carregar um peso do passado sobre nós. Mas sim fazer parte de um jogo onde o passado é inovado, depois sedimentado e se transforma numa nova tradição.


O que determina uma obra de arte e como caracteriza-la

Para um primeiro entendimento é possível colocar a obra de arte como sendo uma idéia materializada. Normalmente se compõe em três partes, a matéria, a forma e o conteúdo. Uma obra pode atender à diversos propósitos como eternizar seu autor; nos levar a experimentar outras sensações, como por exemplo, uma viagem atemporal; e até mesmo a função óbvia de contemplação. Mas, o que nos torna criadores? E quais características definem uma obra?

Para ser um criador é preciso dominar a técnica, o “saber fazer”, um conjunto de regras que oriente a criação humana. Ele pode criar arte mecânica ou arte liberal. Mas, nenhum artista começa do zero, toda obra produzida é resultado de experiências acumuladas, o artista tem o poder de sintetizar 30 anos de trabalho em alguns segundos.

Uma primeira noção importante sobre obra é que as chamadas belas artes, são diferentes das artes úteis. A arte mecânica (útil) está associada à um ofício, a criação de um objeto que auxilie na vida prática, como uma cadeira, uma garrafa ou um pão. É destinada ao consumo já na recepção da obra e fadada ao desaparecimento. Basicamente, é algo destinado à manutenção da vida e não para exaltar sua própria arte.

A arte liberal (bela arte) tem como princípio exaltar a si mesma, e permitir a realização do homem. Serve principalmente para auxiliar na construção do mundo, e está destinada a permanência. Sendo assim, a mãe da obra de arte.

É comum ao pensar em obra de arte, associa-la com obra prima. Entretanto, na antiguidade uma “obra prima” tinha outro significado. Para os antigos a arte só era digna dos homens livres, ou seja, dos não escravos. E a obra prima era a obra inaugural que um aprendiz de artesão fazia sozinho, a sua primeira grande obra. Como um certificado de graduação. Era o trabalho que lhe garantia a posição de mestre. Portanto, para cada artista, só existia apenas uma obra prima, e as demais eram denominadas apenas obras de arte.

Em um primeiro momento o que dava valor estético para uma obra, e a caracterizava como arte era sua beleza, dentro dos padrões greco-romanos. Com o tempo esse padrão de beleza enquanto máxima para a arte perdeu força, e atualmente as obras garantem seu valor pelos conceitos e ideais que representam.

Algumas das funções que a obra de arte cumpre:
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  • Didático- pedagógica;
  • Conhecimento;
  • Prazer/ entretenimento, “diversão”;
  • Subversão;
  • Política;
  • Ritual;
  • Realização do homem;
  • Histórica.


Um padrão para o gosto e para o belo

Quando debatemos sobre determinados assuntos difíceis, é comum alguem apaziguar a situação com uma das famosa frases “gosto não se discute” ou então “gosto é como escova de dentes, cada um tem a sua”. Bom, a verdade é que mesmo respeitando a multiplicidade de gostos existentes, é quase impossível se falar em arte, se não chegarmos a um consenso universal que defina tudo aquilo que é arte.

Existem muitos fatores que nos determinam e nos tornam únicos por nossas escolhas e preferências. Onde nascemos, o contexto histórico em que estamos inseridos, as experiências pessoais que temos. Nossos gostos também são fortemente influenciados por sentimentos como amor, raiva, paixão, medo, etc. Por essas e outras variantes existe uma extrema variedade de gostos e opiniões.

Como já citei, antigamente esse consenso era o padrão greco-romano de beleza, e toda obra que se encaixava nesse perfil era considerada como artística. E hoje, mesmo sabendo que as obras buscam representar conceitos e ideais, a beleza ainda é um objetivo quando falamos de arte.

Mas com tantos gostos e opiniões diferentes, como é possível definir o que é belo ou feio para uma obra de arte?

O filósofo David Hume argumenta que não são todas as pessoas que podem definir esse padrão. Não por uma supremacia natural ou genética de alguns sobre outros, mas porque as mesmas variáveis que determinam os gostos, podem corrompê-lo muito facilmente. Ele não diz claramente qual é o padrão, mas define algumas atitudes suficientes para normalizar o gosto:

  1. A Prática da contemplação;
  2. Realizar a comparação entre os diversos tipos de beleza;
  3. Estar livre de preconceitos;
  4. Usar a razão;
  5. Ter “Delicadeza de gosto”

Ele afirma que todas as pessoas tendem naturalmente á reagir do mesmo modo quando são expostas as mesmas experiências afetivas e que essa confusão de gostos existe por que não levamos e consideração essas leis da critica. Seguir essas regras seria o suficiente para aproximar as opiniões, sujeitar a beleza a regras e a arte à um método.


A autonomia da obra de arte



O contemplar uma obra de arte exige um certo cuidado de não confundir, nem deturpar, o que a obra está te dizendo com aquilo que você quer dizer. Existe um mundo da obra que é diferente do mundo real onde vivemos. E ele tem suas próprias regras e limitações, a sua configuração é algo que não se mede por nada fora dela, não admite comparação, mediação com a realidade, esta aí de modo absoluto. Não se coloca em xeque a realidade ou veracidade da obra. A arte te proporciona uma liberdade protegida, que não fixa metas sérias e te permite riscos delimitados.

Cada obra de arte tem uma única e mesma estrutura artística, então, como é possível tirar delas várias representações e ainda assim reconhecer a matriz que gerou essas impressões?

Esse vínculo entre a matriz e a representação não deve ser interpretado como uma obrigação de significado embutida na obra, pois, existe uma autonomia absoluta da obra em relação ao autor/ expectador. Isso significa que apreciar uma obra seria, entender suas regras e jogar o jogo que ela propõe. Ou jogamos o jogo, ou não entendemos. E esse jogo tem regras próprias, independente de quem criou o jogo, ou de quem joga. Sendo assim, a opinião do criador não é superior as demais para explicar a obra. A obra é auto-suficiente. Ela depende de uma representação, mas não se cola nela.

Mesmo sendo desenhada em um sentido fechado no seu próprio mundo, a obra tem um nexo de sentido que revela uma verdade. Uma espécie de moral que nos permite ver “como são as coisas”. Entretanto, a característica primordial da arte, é não mostrar explicitamente as respostas, mas nos instigar a pensar sobre elas, sempre dentro do jogo que ela propõe.

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Referências bibliográficas


GADAMER, H.G. Verdade e método.
Petrópolis : Vozes; 1997

HUME, D. Ensaios morais, políticos e literários
São Paulo: Abril cultural; 1980, 2ª Ed. Col. Os Pensadores

RICOEUR, P. Do texto a acção, ensaios de hermenêutica II
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica; 1989


NUNES, Ellen
Contato: ellenwar_nunes@yahoo.com.br